quarta-feira, 6 de abril de 2016

Na sua página dá pra ver sua pessoa

Página Histórias que Crio Quando Olho pro Nada 
A arte reside na nossa necessidade diária, mensal ou aperiódica de expressar, de conversar consigo mesma, de conversar com as outras pessoas de uma forma menos direta, menos robótica, menos acadêmica ou menos séria no mal sentido.

Gosto muito de conhecer trabalhos, ações, brincadeiras que prezem mais por essa necessidade pessoal que por as outras necessidades que o cotidiano recobra - por exemplo, fazer da arte produto artístico, como os adornos utilizados nas publicidades e propagandas. 

O profissional (bom) tem de se polir muito para que leve a público só as boas imagens, para tornar a obra pontual, discreta e efetiva. Isto também tem seu valor: a ideia de que menos é mais pode limpar nossa vista para um caminho de coerência. No entanto, esse pensamento é também causa de restrições, podem acabar esvaziando de sentido a nossa prática. 

As nossas manifestações não podem se pautar pela estética, elas podem incorporar a estética para ampliar alcance, como também não o podem, para gerar outros efeitos. As nossas manifestações têm um significado bem mais profundo que o uso de mercado, elas são a nossa fala profunda, a nossa ancestralidade, a nossa criatividade, a nossa integridade, o nosso sentimento, o nosso afeto por si mesmo/pelo mundo.

Elas são a nossa maneira intuitiva, muitas vezes inconsciente, de organizar nosso corpo e nossa mente, as duas partes de nós que nunca se separam. Por isso mesmo que elas não são (ou não deviam ser) privilégio de nenhum grupo.

Com a popularização das redes de Internet está mais recorrente utilizarmos as páginas de um modo pessoal, publicizando nossas próprias estórias. É um movimento bonito, apesar que ainda muito dependente de plataformas sobre as quais não temos controle nem voz de decisão. Publicamos conteúdo independente em plataformas nada independentes, ligadas, na verdade, à motriz empresarial do capital financeiro.

De todo modo, o Facebook e as demais redes de Internet abriram caminho para essa possibilidade ingênua no bom sentido, de jogar no mundo ideias escritas a lápis de cor, abrir-se para as outras pessoas por meio de nosso caderninho de anotações sem a necessidade de que isto se adeque a este ou aquele padrão. Isso é valioso. É o alimento da alma assumindo sua crudez.

Recado à autora da página Histórias que Crio Quando Olho pro Nada e ao autor da página Ponto de Inflexão.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Qual a razão da vida?
A razão! É a vida!
A razão de viver é a vida.
E a humanidade no nosso entorno.
Porque não é tão bom viver sozinha.
É bom sempre muita gente ao redor.

Oratória de Regina Lima.

Pé de mato

Novembro de 2015

Mais forte que o concreto 
É o pé de mato resistente
Mais forte do que a margem
É do rio sua nascente
Mais forte que o costume
importado do ocidente
e o pensamento europeu
que embranquece tua mente
É o balanço silencioso
do corpo
A redondidade da fala
nossa vogal
A nuca não civilizada
do cabelo espiral
Tudo o que esquecemos de cantar:
nosso ritmo latente
Beleza outra que encobrimos
com a branquitude aparente
Mas que ninguém pode conter
No fundo cada qual sente:
É muit'é nêga nossa gente!


Jadiel Lima

Coisas de meses passados

Vasculhando papéis encontrei esta minha. Já tinha me esquecido:

Por mais que eu peça perdão
me arrependa da memória
tua presença me rejeita
pelo quê meu peito chora
Quando tento uma alegria 
compartilhar como outrora
teu sorriso se desfaz
pedindo que eu vá embora
Mas se me fecho, me afasto
aceitando esse teu fora
logo teu assunto chega
não cessando a história
Pois é nesse vai-e-vém
em que meu inferno mora

Vasculhando o pc encontrei esta maravilha exclamativa de autoria de Hades Filho:

amor(es) meu(s)
que saibam
sou sóbrio nas falas
ébrio nos carinhos
desconfio dos corpos calados
dos amores abarrotados
de falas
e vazios 
de toque
não me desperdice com beijos mornos
arranque logo pedaços
não me cerque
de universos rasos
sempre corro
pra longe
viro outro
porque o tempo é breve
e a fome do mundo
não cabe em mim

-Hades Filho

sábado, 26 de março de 2016

Amaré

Avisardelhalhe-eis que também estou postando em um blog mais conceitual e excêntrico, o Amar é Bicho. É tão gourmet e underground que quase ninguém vai lá. A fanpage no Facedrugs soma 3 acompanhantes:

http://amarebicho.wordpress.com

Também tem coisas no Soundcláudio. Dê uma olhada/ouvida!

É difícil se perceber em tempo real. Os diários, ou o blog, no meu caso, ajudam a se perceber em tempo real (porque escrever as vezes é isso) e a longo prazo, quando volto aqui para ver algo que escrevi. Se ainda serve, se não serve mais, se não foi feito pra servir...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Cenopoesia: caminhos pelo hibridismo

Em que ponto a estética interessa à cenopoesia?
Jadiel Lima

Entendemos História em Quadrinhos como uma arte híbrida por ela envolver mais de uma linguagem: a verbal e a imagética. Do ponto de vista da criação, uma história em quadrinho pode ainda explorar referências e estilos de diversas linguagens e áreas de conhecimento, como cinema, fotografia, design e arquitetura.

Por esse motivo, a qualidade do quadrinho depende da desenvoltura de cada linguagem. Não que as linguagens sejam utilizadas de maneira fracionada. Pelo contrário, cada elemento da HQ fica em função do outro para criar algo terceiro: a HQ.

Os textos dos balões ficam mais interessantes se escritos sob medida. Uma palavra a mais ou uma frase sem coesão podem atrapalhar o tempo de uma piada ou prejudicar o andamento da história. Pode ocorrer de a poética dos desenhos não ser comtemplada pelo texto verbal. O domínio da escrita influi bastante.

De outro lado, o desenho e as imagens surtem melhor efeito quando as cores e o sombreamento são bem usados, quando os traços dão naturalidade às personagens e aos “movimentos”, quando a perspectiva não dificulta o entendimento do cenário e os quadros estão organizados de modo a não sufocar o texto.

O conceito de cenopoesia invoca, igualmente, uma ideia de hibridez, mas não apenas em relação às linguagens. Ela é híbrida de gente. Ela só faz sentido mediante vivência compartilhada, num contexto onde cada pessoa contribua com expressão, ideia, voz, corpo, energia.

O hibridismo de linguagens se dá em função do que cada pessoa tem a dizer, seu “repertório humano”, ou seu repertório, simplesmente. Se dá também em função da própria ideia de que as linguagens não existem separadamente.

Esta ideia não é nova. Afinal, tudo não sempre foi assim? O tambor unido a canto e dança, a festa acompanhada de culinária, o teatro cantado fantasiado com máscaras, a pintura na parede feita com as mãos no barro... Indo mais adiante, a escrita, por exemplo, é som e imagem por si só.

A novidade, ou pelo menos o que a cenopoesia propõe é trazer esta ideia à consciência, fazer da arte e da mistura, ação: poema vira poesia na voz, no corpo. A cantiga vira palavra. A imagem é táctil, na roda, na dança, no carinho, nas fantasias.

A cenopoesia é necessária não apenas dentro de seu próprio campo, quer dizer, ela não serve somente a quem reivindica seu conceito e sua prática como tal. Ela serve também como provocação e guia para desvencilhar as barreiras que se concretizaram na arte graças à mercantilização da cultura que separa teatro de dança, música de poema, etc. Barreiras discursivas (de linguagem para linguagem) e sociais: fundamentalmente, “todo ser humano é criativo”, o foco não está mais no produto, mas sim na comunicação, na relação entre as pessoas e das pessoas com o ambiente.

Como seria construir uma HQ dentro deste viés? É comum pensar HQs em novas plataformas (as HQs de Web utilizam linguagens animadas como Gif e áudios), em interação (deixar um quadro ou balão em branco para que o leitor escreva algo). Porém de que forma quadrinistas estão fazendo este exercício do ponto de vista do conteúdo? Por exemplo, fazer um quadrinho documental sobre uma comunidade e convidar pessoas do local a refletir sua história, escrevendo argumentos ou roteiros. O discurso passa a acompanhar um contexto, fazendo-se ação, e o limiar entre artista e espectador fica mais estreito. 

Por nascer no ambiente da arte pública, a cenopoesia não trata de produto. Ela pode ocorrer tendo por base um produto (roteiro, espetáculo, ato-show, livro). Porém não se pretende resultado ou produto final, ela se manifesta e se desenrola a partir da espontaneidade.

Por não ser produto, a qualidade e as preocupações estéticas vão interessar à cenopoesia de maneira diferente do que o corre com uma HQ, por exemplo, num contexto em que a HQ é submetida a avaliação dentro do mercado editorial. A qualidade que, a princípio, importa à cenopoesia está no potencial criativo e reflexivo do ritual ou do ato, em ato. O que se produz é o que fica em cada pessoa, o acontecido e as inquietações, as provocações, os aprendizados para o dia-a-dia conseguinte.

Este valor tem mais importância que o valor da qualidade estética, do ajustamento técnico. A técnica faz sentido se entendida como uma forma de cuidar dos detalhes. Perder os vícios e os maus costumes dentro das linguagens. Caminhar para a simplicidade. Esse desenvolvimento é inerente ao fazer e à necessidade de quem faz de fazer bem. 

Neste sentido o estudo e o esforço pelo aprendizado em cada uma das linguagens de interesse à (ao) cenopoeta. Sem esta desenvoltura, sem essa facilidade para articular ideias, imagens, movimentos, também não há ritual e a intuição, frágil, não se faz intenção. De outro lado, arte com intenção demais e pouca espontaneidade, pouco sentimento, pouca poesia fica rígida e não acolhe – uma contradição, já que a natureza cenopoética é dialógica.

É necessário fazer arte com intenção – canalizar a energia por um projeto coletivo de desconstrução do sistema e construção de novos modos de vida e valores – de maneira intuitiva. 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Querida menina branca

Querida menina branca,

O racismo no Brasil é autonegação.

Eu estudava em um dos dois maiores colégios particulares de Maranguape. Era só pra quem conseguia bolsa com o diretor ou quem realmente tinha no mínimo 300 reais por mês pra colocar a cria lá dentro. Então a farda branca, vinho e dourado dava um ar arrogante mesmo a quem era filho de pobre, como eu.

Estava entrando para o ensino médio quando o colégio firmou parceria com o Lourenço Brito, que ofertava apostilas e algumas palestras de preparação para o Enem. Tinha também o esquema de fazer provas simuladas no próprio Farias Filho. Lembro da primeira vez que minha turma foi fazer simulado. Interessante observar o choque com as novas referências de poder.

Os meninos já não eram tão bichões do fundão, nem tão playboys quanto os playboys do Ari de Salho. Aquilo sim era tênis de marca! Pra disfarçar, comentavam, com deboche, das meninas, dentre as quais a mais patricinha invejava os cosméticos ou a roupa engomada das meninas do particular de Fortaleza. E nem os 6 primeiros de nossas duas classes de terceiro ano eram tão "inteligentes" quanto os nerds leite-com-pêra de lá.

É péssima a postura de superioridade dos grandes colégios fortalezenses como um todo, incluindo os alunos ensinados a caminhar equilibrando o nariz. No entanto, me tocou mais nós mesmos termos nos colocado naquele local de inferioridade. Não éramos páreos para aquele adversário, no jogo do consumo.

Da mesma forma, quando essa galera bacana da faculdade, movida a Gato-Preto, Mambembe e fast-food vai pra algum país europeu, acho que o choque é parecido. Ou quando o maluco de estrada daqui mais liberto se encontra com mochileiros do sul ou da Argentina. Ou quando quem se acha branco se vê perto de um alemão, irlandês, canadense…

Olhe só: é que nós, pelo menos os nordestinos, mesmo quem tenha descendência holandesa, é raro não ter algum parente tapeba, potiguara, cariri, pitaguari, tapuia ou banto, umbuntu esquecido lá atrás por negação da família ou do pai bastardo. Não somos brancos. Somos outra coisa, inventada há alguns séculos.

Somos outra coisa não só fisicamente (no entanto, deixe-me lembrar do lindo formato arredondado do teu rosto e do teu forte pescoço curto). Nosso jeito de falar, nossas línguas e variações, nosso andado, a nossa história, nossas estórias nossa comida, nossa relação com a água, o formato de nossas casas e ruas, a maneira como fazemos nossa arte. Somos muita coisa, porque não somos uma coisa só. Mas este lugar, esta condição torta da qual descendemos, nos faz sermos algo em comum.

Você se considera branca pelo teu cabelo liso, por causa da tua pele e da cor dos teus olhos. Porém irreleva toda uma descendência sígnica e genética dos povos daqui e da África e, além disso, do resultado desta confusa transmutação.

O engraçado é que, muito possivelmente, parentes originários da família europeia mais reles negaria uma filha mestiça, nascida numa colônia. Não estou dizendo que a maneira como eu, de pele escura, lido com o racismo não seja diferente da sua. É incomparável. Estou dizendo, no entanto, que muito desta opressão se deve a essa autonegação.

Maranguape é uma cidade com baixa autoestima. Metropolitana com cara de interior, total, mas parece não achar bacana se reconhecer dessa forma.

Eu achava o máximo Maranguape não ter shopping, não ter engarrafamento, não ter grandes estabelecimentos nem prédios altos. E ter árvores. Pouco a pouco vai mudando. Deixando de reconhecer o que parece falha, mas é potência e lindeza. Se colocando dentro de um jogo que parece poder, mas é fraqueza.

Abraços!

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Casca

Já fui muito rejeitado
Não sei mais querer ninguém
Quando me pedem um abraço
Triste, digo que não tem

Daquele fruto avermelhado
Enganou-se quem quis o mel
Com o tempo secou a casca
De dentro brotou cascavel

Tanto veneno ficou nos olhos
Que o céu que vejo acinzentou
_Bendiga ser sinal de chuva
Pra vir regar o meu amor

um livro

um livro
é pra saber
de coisas mais antigas
do que quem tá vivo

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

cabeça e mundo

Comunicar – pra cabeça ficar menos distante do mundo e pro mundo ficar menos distante do sonho. Porém não querer combinar tudo, explicar tudo, entender tudo – que aí já é tentar colocar o mundo dentro da cabeça.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

"O que é que tu fez com os cara?"

A primeira vez que fui no Dragão do Mar sozinho eu era menino ingênuo de 15 anos. Crianção. Fui ver a Feira da Música. Quando fui cuidar, que tava anoitecendo, peguei ônibus no lado errado da rua. Era Grande Circular. "Passa no Siqueira?", "Passa, né? Mas demora que só a porra".

Desci e já não sabia onde tava. Tentei voltar contornando a rua, mas pra minha surpresa nem tudo em Fortaleza era mais ou menos quadrado como em Maranguape. Perdido no morro, comecei a me aperrear. Mais embaixo, em uma pista escura, catadores de lixo observavam o garoto com semblante assustado correndo sem perspectivas. Semblante que foi refletir nos taxistas, a "salvação" que encontrei logo mais em um posto, depois de sair do "foguete". Os dois primeiros se negaram a me levar, apontando um outro que acabava de chegar.

Se ligando da jogada dos colegas, mostrou não estar contente com a clientela magra e de cabelo assanhado. Pedi pra ele me levar pra Praça da Estação, onde estaciona o Maranguape/Fortaleza. Pedi ainda que fizesse um preço mais barato, porque eu tava com pouca grana. Depois da insistência, ele mandou eu entrar. Não ligou o carro. Pensou, olhou pra mim, que ainda estava com cara de desassossego. Sorriu, quase nervosamente - ou então pra ver qual era a minha: "O que é que tu fez com os cara?"

No dia, na hora eu achei graça. Expliquei que estava perdido, pra onde ia e onde eu morava. No final das contas me senti acolhido e agradeci ao taxista, que usava bigode, boné e parecia com um carioca pelo jeito de falar. Mas depois me falaram que eu devia era ter processado ele. E bem depois eu percebi o quanto tinha sido pesado esse pequeno pré-julgamento de que eu tava fugindo de alguma confusão com tráfico.

Hoje já me toco e observo que nada é questão de sutileza. Você percebe ou não percebe. Pra quem percebe dói. Quem não percebe não sente e o ser insensível não precisa mudar nada, né? Eu prefiro sentir. O próximo passo é sentir sem deixar me abalar.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Frutcha

Quero que você me diga
o nome dessa fruta que tem gosto de amor

Sabor difícil
eu quero ouvir da tua boca
fica louca, tira a roupa
quero ser o teu calor

É cor de jambo
um cheiro assim da manga rosa
o azedinho da pitanga
e o doce da uva

Menina doce
tu cuidado cas abelha
bem atrás da tua orelha
tu guarda um cheiro de flor

Pele macia
lisa que nem melancia
quero ver quem advinha:
é manga rosa ou tangerina
o cheiro da menina?


sexta-feira, 22 de maio de 2015

Esses dias eu contava
uma mentira verdadeira
Esses dias eu tomava
coragem de ter medo
diminuí a passada
pois já não era cedo
todo eu me abalava
bambeava o rochedo
a vibração ficando larga
Senti me turvo plenamente
Agoniado, calmamente
dei um grito calado
ressoou na minha mente
da solidão andei de lado
ensaiei fazer repente
tive certeza de estar errado
derramei, opaco, sal transparente e fiquei aliviado,
no ar monótono do transtorno:
eu sentia muita morte
mas meu peito estava morno

Gratidão ao medo, que tortua nosso caminho,
nos pedindo "ame a flor, sapiendo cada espinho"

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O metro e meio entre nós caminhando na areia
só não é mais distante que os 40 minutos atrás quando nos amávamos,
só não é mais distante que qualquer graça minha do teu sorriso
Quantas ondas eu posso quebrar?
Elas parecem não ter fim
Vou sendo derrotado onda após onda até que o mar me engula,
me jogue nas pedras ou me cuspa pra fora
O mar nos exausta
mas a mágoa não sai
Afogo gritos
"Você veio pra ser perdoado ou pra se aceitar?"
Sou eu quem pergunto
Porque o mar mesmo não me diz nada
Nem o seu grave murmúrio adentra a cabeça enlouquecida
Se não se diz a quem não quer ouvir
tampouco se ouve de quem não quer dizer
Os segundos da agonia sem resposta
me fazem crer na eternidade:
ao olhar pra ti
ao chamar teu nome
ao pé querendo alcançar o chão
Do longe que estou de estar próximo
só me alcança uma frase qualquer
de falsa preocupação
me pedindo pra ficar

A carcaça flutua
e eu me salvo

(fev. 6)

https://www.youtube.com/watch?v=5MbDJeL5JFM

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Pra falar coisas de amor

Pra falar coisas de amor,
cochicha no meu ouvido
Não deixe jogado no vento
como se eu só valesse um ruído
Minha nuca não relaxa sempre
E o colo é bom, na verdade,
quando menos conveniente
Pega na minha mão,
(vez em quando)
se tu quiser ir de mãos dadas
Mas se não fizer questão
Deixa eu ir pegar estrada
O meu ônibus acaba às onze
Meu olhar fica distante
porque eu de mim inda tô longe
E se o eu que sou agora
não é qualquer eu desse passado
Eu não posso melhorar
Eu posso apenas ser eu
Outro eu
Noutro lugar

(jan. 27)

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ímã

Deixa o tempo,
com seu 'm' de imã,
levar o 'm' de mágoa
E tudo passar
como água

Franqueza

Ser franco é estar descalço 
na cidade de cimento e cacos de vidro
Da janela do oinbus vê-se um mazelado
E, de fato, é como estou:
_Minha chinela quebrou

sábado, 30 de agosto de 2014

Desculpe

Quando você me viu
Eu estava solitário
Quando você me viu
Meu brilho ofuscado
Quando você me viu
Meu olho apagado
Quando você me viu
Eu estava do outro lado
Quando você me viu
No canto escuro do muro
Quando você me viu
No meu peito fazendo um furo
Quando você me viu
Um aperto que eu não aturo
Quando você me viu
Minha estrela se fechou

terça-feira, 20 de maio de 2014

O AMANTE

Eu não sou de nenhum lugar
Eu sou da farsa, sou do ar
Do começo, do tropeço
minha raiz é flutuante
minha raiz é flutuante
minha raiz é flutuante

Não sou eu quem vai carregar
O peso leve de um laço
O castigo de um abraço
Eu sou o amante
Eu sou o amante
Eu sou o amante

Desde logo te aviso:
Não sou como Lancelote,
Que num canto se demora
Eu sou homem que chegou e foi embora
Eu sou homem que chegou e foi embora

Porque eu só vim pra alertar
Fugir é o mesmo que ficar
no mesmo canto
Não se negue tanto
Não se negue tanto
Não se negue tanto
Não se negue tanto

(...)

Era uma vez uma praia deserta. Eu nunca consegui ir lá, porque quando chegava ela já não era.
Jadiel Lima, 23h38, 20 de maio, 2014

terça-feira, 13 de maio de 2014

O olfato e o afeto

Se você é uma pessoa comum que pega ônibus diariamente para ir ao trabalho ou aos estudos, com certeza naquele horário de pico já se viu na desconfortável situação de estar ao lado de alguém com um odor característico forte na região das axilas. Vulgo sovaqueira. Começo de noite, quinta-feira, lotação básica. De repente você nota que tem algo errado no ar. Morrendo de medo de ser em ti mesmo, dá uma fungada discreta no canto do braço. Não é. É no cara ao lado, que está como você, em pé, se apoiando nos bancos. Ao menos isso, pois até aí os braços dele não estão muito abertos. Mas aí ele inventa de erguer as mãos e se segurar naquele corrimão na parte de cima do coletivo, para o desespero alheio. Você pensa em avisá-lo, xingá-lo, atirar-lhe desinfetante. Porém tudo isso pareceria mais escroto ou constrangedor que a própria realidade daquela atmosfera, então sua única ação é a de se proteger, tentar não encostar nele e seguir a viagem.

Ufa! Finalmente você desce do ônibus, volta a respirar o ar fresco ainda não muito agradável da cidade e se indaga porque uma pessoa dessas não se lava, usa desodorante. É a pergunta mais óbvia que nos vem à mente. Particularmente, também penso nesta: E quando não existiam desodorantes ou perfumes?
Imagina os nossos ancestrais, quando o ser humano era apenas sapiens ou nem isso. O quão mais forte era a nossa nhaca? Talvez o cheiro fosse usado como forma de seleção natural. Somente os indivíduos que não sufocassem o parceiro conseguiriam acasalar e procriar saudavelmente.

Brincadeira. Na verdade, acho que alguns dos odores do nosso corpo hoje são bem piores que no passado, tanto por uma questão ecológica — já que cada vez mais somos atacados pelos hormônios e produtos químicos na nossa comida ou produtos de higiene, pela poluição e pelo estresse da vida moderna — quanto por uma questão de costume.

Diferentemente dos antepassados selvagens, que provavelmente utilizavam mais esclarecidamente o olfato para a identificação territorial, sexual, etc, nós hoje negamos quase completamente o nosso cheiro. Desde que nascemos, passamos pelo processo de acobertamento das nossas essências naturais através do sabonete, do shampoo, do condicionador, dos cremes para pentear, pastas de dente, talcos, dos perfumes e colônias.

Mas as coisas no universo funcionam de forma compensatória. Ou seja, no que essa nossa artificialidade nega, também afirma muita coisa. Por exemplo, você se lembra quando o cheiro do seu corpo começou a ficar mais forte, lá pelos onze anos, já perto da puberdade e você foi coagido a usar desodorante? Suas axilas, assim como a de seus colegas tinham, um aroma meio enjoento, mas não era tão desagradável, certo? Convenhamos, era até um cheirinho bom, principalmente o dos ou das colegas do sexo oposto (exceto o do Amoeba, que era como a galera da minha sala no Fundamental chamava um menino que tinha manchas esverdeadas abaixo do braço, na farda). Pois é, não negamos de todo. Ou você também não já cheirou aquela cerinha do ouvido? Ou não já levou o dedo às narinas após a coçadinha no rego? E ninguém se intoxica ou vomita depois disso. Aliás... Nós gostamos!

Não negamos de todo pois nossos cheiros são o que guardamos talvez de mais instintivo. Sim, o olfato é o nosso sentido mais profundo. É através dele que acessamos as memórias mais abstratas e incompreensíveis. Você guarda lembranças de aromas que sentiu de determinadas pessoas, comidas ou objetos em épocas específicas da infância. Quando você detecta algo parecido, isso imediatamente te remete àquela memória, mas você nunca lembra exatamente como era. Porque não é imagético, não é claro ou racional.

Você está caminhando na rua e não nota estar com fome até sentir o cheiro de almoço de alguma casa ou restaurante. Não surte o mesmo efeito se você apenas olhar o prato de alguém.

O cheiro também nos segrega socialmente. Os perfumes mais intensos e de melhor qualidade são mais caros. Pode parece só um detalhe, mas inconscientemente ou não as pessoas recebem melhor quem se veste em um aroma agradável e autêntico. Talvez isso um perfume francês conte mais que uma roupa de grife. Locura, né? O mercado sabe e age dentro disso.

Os olores diferenciam também situações sociais. Para sair à noite é necessário ir “para casa tirar o cheiro de sol”, como dizia minha mãe, e se perfumar todo. Há quem saiba jogar com isso e discernir perfumes para diferentes ocasiões. Ou quem também saiba que cada perfume toca o nariz de alguém diferente e se pinte de gostos específicos.

E há cheiros que te tocam, querendo ou não, e com os quais você vai se harmonizando ao longo da vida. Reconheces aquele macio, de horta, de areia fofa úmida, que é o da sua da mãe; também aquele leve, casquento e antigo de livros, que é o do seu pai; aquele outro, perturbador, de toalha molhada dentro de casa depois da chuva, característico do amado ou da amada. Aromas que você coleta na convicência através de um belíssimo gesto: o cheiro! Fui criado num contexto onde o ato de cheirar é cumprimento, demonstração de carinho. É como se o gesto comunicasse um “sentir o seu cheiro me faz bem” ou no mínimo um “eu não me importo”. Este último é ainda mais maravilhoso.

_Não, o meu cabelo está fedendo, eu passei o dia correndo no meio do mundo... — a pessoa reclama e você a cheira mesmo assim, porque realmente não se importa e isso não anula a outra sentença de que sentir o outro lhe faz bem.

Mais que tipificar estéticas, o olfato é uma linguagem que nos permite compartilhar afetos e de uma maneira muito profunda. Às vezes é importante saber se comunicar melhor através dele. O que custa agradar de vez em quando? No entanto, nada mais gratificante que reconhecer e aceitar os nossos aromas naturais, nossas identidades, a bagagem subjetiva que carregamos através deles. Abdicar das superficialidades artificiais olfativas do mundo contemporâneo e nos perfumar com a nossa naturalidade, nossa ancestralidade.

Boa sorte, cara do ônibus.



sábado, 3 de maio de 2014

GULA

A pessoa engoliu o mundo, pensando que o comeria sozinha. Mas desde a saliva até o estômago e depois pelo intestino, as enzimas, as bactérias e outros seres do organismo foram digerindo, absorvendo, enfim, repartindo o alimento dentro da pessoa.

Até o mundo provou de si próprio, involuindo como se partisse pra outra dimensão. Aliás! O que se comeu dele foram apenas seus restos que ele deixou para trás, e o seu mistério. Safado...

Mas comeu-se dele. Comeu do mundo o que fosse dele, quem fosse do mundo, tudo o que fosse um — sabendo ou não — a pessoa também era mundo.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Sonhos pequenos — muros altos

Jadiel Lima

























Com a pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ficou mais clara a densidade  e abrangência do machismo no modo de pensar dos brasileiros. A pesquisa revela que há uma predisposição de grande parte das pessoas a  justificar mais que um crime: o total desrespeito à  liberdade de ser e agir das mulheres. Mas esse estudo também mostra contradição no discurso dessas mesmas pessoas.

O dado mais comentado do documento foi o de que 65% dos 3.810 entrevistados pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Ipea  concordaram  com  a  afirmação  “mulheres que  usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O impressionante é que 91% das pessoas entrevistadas também concordaram que “homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia”.

A mudança de posicionamento parece se dar por algum tipo de constrangimento. Está mais clara, ao senso comum, a noção de punir a violência física contra a mulher. A lei Maria da Penha já foi  bastante  disseminada, mesmo que o medo e os maus-tratos continuem dentro da realidade de muitas  mulheres. Mas é algo mais fácil de se concordar. Está menos claro que as mulheres possam se vestir como queiram, que as mulheres tenham autonomia sobre si mesmas, que as mulheres possam expressar sua corporalidade sem problemas. É uma questão de valores.

E os valores vigentes no senso comum não permitem nada disso. São princípios que alimentam apenas sonhos pequenos e que não visam a liberdade ou sonhos grandes. São valores fundamentados para  que  não se  tenha  liberdade,  afinal.  São pensamentos e projetos mascarados com as palavras progresso, ascensão e melhoria de vida, mas que só estimulam o mundo a seguir no mesmo curso. Simplesmente mantém as coisas como estão.

O mundo está cheio desses sonhos pequenos.  Consumismo, individualismo, conformismo, falsos paraísos. E por serem modos de pensar e agir pequenos e simplórios, os problemas cotidianos serão resolvidos à mesma maneira, a de contornar a realidade, sem estuda-la reflexivamente, sem enfrenta-la. Os sonhos pequenos estão, por exemplo, nos muros altos dos condomínios, nas cercas elétricas, na super vigilância.

Quem sonha pequeno, há de condenar quem sonha alto. Por inveja, ou por motivos de correção. Quem falou que se pode sonhar grande? Quem não é livre não consegue aceitar que o outro seja. Aliás, o ser livre ou o ser que se expressa livremente parecerá, à imensa maioria apegada aos seus valores morais, um inconsequente, será taxado de vadia e por isso deverá ser punido, ser mal-tratado, ser violentado, ser estuprado.


Os sonhos pequenos, se vê, estão também na moral machista. Esta moral, engessada nas mais variadas e escrotas justificativas, quer preservar suas repressões e prosperar a opressão da macheza sobre a feminilidade. Os sonhos pequenos estão no medo do ser de se afirmar e de criar e brincar com a sua liberdade, no medo de derrubar os muros altos que o mantém reprimido. Estão no querer trazer pra detrás dos mesmos muros quem venha a ter coragem de afirmar o seu modo livre de ser.

domingo, 2 de março de 2014

Lágrimas de areia

A cobrança é como uma peteca. Mas não é uma peteca comum. Quando o jogo é uma disputa, ela é como uma bola de meia à qual os jogadores adicionam areia cada vez que a recebem e depois arremessam de volta. Metáfora meio confusa. Poderíamos associá-la ainda ao jogo batata-quente. No caso, é batata-fria.

Quem começa? É esta uma pergunta extremamente importante, porque sendo que quando um não quer, dois não brinca, a pergunta é feita mesmo assim, pra saber em quem por a culpa. É uma pergunta interessante pois deveria ser desnecessária.

Tendo começado, o jogo de pesos vai se seguindo, testando quanto cada um aguenta, quanto mais cada um consegue encher a peteca. Disputávamos ela e eu. Eis aqui um jogo enfadonho. Impacientes, queremos abandoná-lo o quanto cedo. Ninguém sabe quando é o início ou do que se brincava antes. Acho que antes nós brincávamos, apenas.

Eis que já aborrecido ponho toda a areia que consigo na bola de meia, já enorme, e me esforço em arremessá-la na direção da garota. Agarra, tropeçando e caindo para trás. Pensei convencido que ela se daria por vencida e eu poderia ir embora do jogo.

Julguei que me desvencilharia da jogatina facilmente e que não haveria de me preocupar. Mas ela, que estava lá, machucada, sentada num canto, com a peteca - que lhe pesava no colo - juntou as forças restantes e arremessou-me a peteca de volta.

Desta vez, eu agora curvado no chão. Meu um olhar de derrota e o dela arrependido. Ela no entanto fazendo valer seu intento: fronde reerguida, coluna ereta.

Eu derrotado no chão, com 1 tonelada - que ainda faço aumentar - e mesmo agora, compreendendo o jogo, de audácia me ponho a pensar que a culpa foi dela. Arremessar de volta? Não há pra quem. Eis uma evidência da inutilidade de uma resposta apenas existir: tudo depende do estalo da ação. Que no caso não é estalo, nem atividade.

Derramar toda a areia, em lágrimas...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Nuvem é tipo amor
Parece triste pela cor
Mas quando o cinza desce
O que é verde envivece
O mundo se enche de flor

Jadiel Lima

Na minha

Meu pandeiro é minha cachaça
Pode parecer sem graça
Mas é tocando que eu sinto a diversão

Eu tocando meu pandeiro
Faço esse bar inteiro
Se empolgar numa canção

Olha, tanta gente se estraga
Pra se acabar ou tirar mágoa
Não vejo futuro não

Mas não é a bebida que faz isso
É o coração omisso
Ao amor e à emoção

Meu pai sempre bebeu
Nem por isso me bateu
Adoeceu ou passou mal

Aliás, olha que vida:
Me ensinou que a bebida
Só ajuda o seu astral

Então, cada um vai vendo a sua
Com cuido vem pra rua

Vai começar o carnaval!

Jadiel Lima, 15 de jan 2014.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Pica

início de 2012

Pica pra arte que complica
ditadura e seus afins
Pica pra cultura esnobe
que exclui os bons e acolhe os ruins

Não, não venha me dizer
que é questão de opinião
Pois sei que a panelinha quer
nos colocar no caldeirão

Pica, eu sei que eles gostam
e se lambuzam atrás do muro
Mas um dia eles se rebelam
desse orgasmo sem-futuro

Pica, picada, picareta,
picolé, pica-pau
Pica ansiando dar carinho
Para quem lhe trata mal

A FRUTA

novembro de 2013

Eu fui naquele pé
Ver se tinha sapoti
Mas o bixo era alto
E não consegui subir

Também fui no cajueiro
Mas só tinha caju ruim
Quando parecia inteiro
Era mordido do soím

Arrudiei todo esse mato
Como quem pede esmola
Não achei nem tangerina
jambo, manga ou acerola

Fui no pé daquela moça
E lhe disse minha dor
Estendeu as suas mãos
E me deu foi uma flor

A flor murchou e virou fruta
A fruta a gente comeu
E da semente que plantamos
Foi nosso amor que nasceu

Crianças

Tem aquela galera que dá graças à Deus pelo que faz, né? "Na verdade essas coisas que eu faço vêm de Deus, eu apenas as executo...". Dizer isso é mais audacioso do que assumir as coisa que faz – pô, o que eu faço são criações divinas! Já tem os que desprezam o que fazem, à procura de um elogio que supere a falsa expectativa:
_Olha o que eu fiz, tá uma merda, né?

Dá vontade de dizer:
_Você tem que cuidar das coisas que cria. Você não gosta das coisas que cria?
_Gosto...
_Então?... As coisas que você cria vêm de vários cantos. Quando não são de ninguém é por isso que elas são suas. Você tem que fazer as coisas serem de ninguém. Como se faz isso? Misturando-as, nas mais diversas matizes. Quanto mais misturadas, mais de ninguém elas serão. E quanto mais de ninguém, mais de todos elas serão. – Já me disseram isso, na verdade. “Você é responsável pelas coisas que cria”. Eu até briguei com ele, por não entender. Ele tava me falando de arte pública.

A arte pública é tão esperta. Ela sabe brincar com vários e diversos. Porque ela chama pra brincar junto. Já ouvi outra pessoa dizer também que "o ator de rua é diferente do de teatro burguês. O ator de rua não é bom quando é virtuoso. É bom quando provoca as pessoas a fazerem teatro junto com ele". Acho que foi algo assim que meu velho estava conversando com o véi-do-cabelo-branco. Velhos jovens, criadores do Movimento Escambo Livre de Rua, movimento de quem quer ser dele.

E é na brincadeira. Eu só sei criar quando brinco. Quando desperto minha criança e vou fazendo e cuidando as minhas crianças  seres de se criar. A gente cria brincando e cuidando.

Se eu só fiz uma coisa, eu tenho que cuidar é dessa. É que nem uma pessoa. Se só uma pessoa quis ser sua. Pô, só tem ela. Ela é a única opção e a única chance. Chance de quê? Aí depende da sua verdade. Mas o desprezo é sempre mentira. É ignorânça. Não é aprendizado. Gostar se aprende, convívio. Se você tá esquentado, deixa ela começar a te provar pelos cantos. À mostra, camada por camada vai esfriando junto com a atmosfera. É tipo comer uma canjica (obs: quando servida num prato). Bem quentinha, a gente começa pelas beiradas.

E você faz o mesmo. Tanto pra ela quanto pra você, é a única chance de se fazer realizar. E não se engane: se são várias, é uma de cada vez. “Uma graça de cada vez”, ensina o palhaço. O cérebro humano é assim. Quem sabe um dia eu encontre um paradoxo que valide o ‘ménage’. Deve ser só fetiche mesmo...

sábado, 26 de outubro de 2013

PÁGINA DE TIRINHAS

Meus desenhos estão sendo publicados agora em:
https://www.facebook.com/Jadieltirinhasdele

Olha lá!

domingo, 6 de outubro de 2013

Cavidades















Sugestão de trilha sonora: www.youtube.com/watch?v=Ebjji38EUnQ

Eis que o menino se viu apaixonado por aquele aroma naturalmente suave e adocicado dos sovacos da menina. Uns sovacos carnudos e macios. Quando não depilados, finos fios lhe sorriam, à pele branquinha da moça. Lindas axilas!

O menino se encontrava com a menina depois da faculdade, com o pretexto de ver os sovacos. Isso é, quando tinha a sorte de ela usar blusas sem mangas. Nos abraços de encontro e de despedida, o rapaz aproveitava pra dar aquela fungadinha, timidamente, no ombro da garota. Delírio. Olor de dar inveja às revendedoras de cosméticos e ao melhor desodorante.

Tomado por impulsos maiores, às vezes declarava “te quero”, no canto do braço da moça, mesmo sabendo que sovacos não escutam. Vivia assim seu poliamor com as duas belas axilas.

Num final de tarde, combinaram de se encontrar depois do racha, na quadra. A menina chegou antes e viu o garoto jogar bola. Exímio perna-de-pau, só foi chamar atenção por estar sem camisa – mas apenas por um detalhe: a garota flertara seu umbigo, que se contorcia malemolente na barriga do rapaz, nas divididas de bola e no movimento dos chutes.

A situação para a moça era mais complicada. Que queixo arranjaria para chegar ao seu amado, trocar-lhe um carinho? Nos dias seguintes, a menina não parava de pensar no buraquinho umbilical – enjilhado e redondinho que lhe fintou o olhar desde a negra pele do menino. Não havia igual, nenhum outro parto havia sido capaz de imitar a simplicidade e ternura da tal cicatriz.

Ambas as vontades, a do garoto e a da menina, foram crescendo em demasia. Um dia tão graúdas que foi inevitável, os desejos já eram inesquiváveis. Foi logo na segunda, de tardezinha. A menina foi a primeira a revelar a singularidade de sua preferência. Não menos envergonhado, o garoto também contou sua esquisita paixão, que já levava algum tempo. Chegando a noite, seguiram para o apartamento da garota. Sem demoras nem resistências, arrancaram as camisas, degustando enfim, num amor metonímico, aqueles cheiros, texturas, pelos e sabores dos sovacos e umbigo.

E a partir daí se encontravam religiosamente, aliás, dionisiacamente. Houve então um fim de semana em que, enquanto já quase dormiam depois do peculiar amasso, de fino acaso, o sovaco esquerdo da menina se encontrou com o umbigo do rapaz. E que mágico: cavidades que não podiam se comunicar, senão pelo tato, faziam como se os sentidos daquelas partes indivíduas se transfigurassem, trocassem gracejos!

As partes agora se gostavam. E de uma forma que menino e menina, percebendo-as, invejavam aquele gozo. Receosos com a estranha prosopopeia, passaram alguns dias sem se falar. Mas umbigo e sovacos continuaram a se querer.

A paixão dos jovens também não morreu – tanto que, ao longo da semana, o menino não mais prestava atenção na aula; já a menina levava uns carões da chefa durante o estágio. Foi tanto que resolveram quebrar o gelo. Mesmo o gelo sendo a fobia de se acharem patéticos em seus desejos; o medo de suas loucuras. Marcaram por telefone de se ver no feriado.

Quando a moça chegou na calçada, o garoto já lhe esperava, sentado no batente da porta de casa. Levantou-se. À meia distância, os olhos da menina miraram nos olhos do menino. Sérios, encarando-se.

_Tenho ciúmes do seus sovacos.
_Eu também, do seu umbigo – revelaram as bocas para os ouvidos.

Sorrisos pausaram a conversa.

_Mas que adianta? – continuaram as sobrancelhas, relaxando. A mão direita do menino foi na bochecha esquerda e corada da moça. Os braços abraçaram. Chamou-a para entrar. Quarto adentro, na cama, mataram as saudades e deixaram o umbigo tocar os sovacos. Depois entrelaçaram as coxas, nariz no seio, costelas nas costas, bocas e mãos iam onde se gostavam e queriam. Cada fluido, cada cor, cada gosto tão estranho. Por haver de ser: cada parte tão bonita! Os dois se abraçaram. Não era mais pretexto, nem gume. Poligamia. O fim era o meio, no sentido de poesia. Era orgia de si mesmos. Se atracaram por inteiro.

_____

Jadiel Lima, Maranguape-CE.
Suvacos, inspiração e co-autoria: Maiara Teles.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Alilás


Adoro a palavra "aliás". Eu a aprendi com a minha irmã. Ela me ensinou umas coisas. Aliás é uma palavra lilás, que nem fica o meio do céu nos pores-de-sol em Icapuí. Eu sempre lembro. Aliás - o nome da minha irmã é A Livre.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

EU E TU

à Maiara Teles

Eu queria ter um presente
que combinasse com seu laço
ajuntasse corpo e mente
algo como aquele abraço

Meu coração silencia
É pra ouvir o seu cantar
Tu vai sendo a minha brisa
E me chama pra voar

Eu te ponho no cangote
Tu segura minha mão
Eu vou sendo a tua sorte
você minha gratidão

Mas se vem o medo de nós dois
De eu e tu sermos vazios
Desafiamos essa dor
Brincando loucos no anil

Não te esqueças, minha linda
Eu senti, teu corpo tem
Teu corpo tem um calor febril
Pra aquecer o mundo frio


Jadiel Lima

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Momento

Antes que acordei
a gente nem existia

E no sonho, lá no sonho
n'era noite n'era dia

Uma vez a memória me dizia
que o que veio do que era
ao que chegou,
Não era mais nem chegou ainda

Ai de mim do que se basta
o que se basta envelhece e morde
não por sabor ou pra nutrir
Ai do que se basta inclusive nesta frase

No momento em que acordo
n'avia antes nem depois
Só o susto de eu e você do meu lado

E o big-bang anunciado:

Não há stop
nem partida
apenas o papoco da existência:
vida


Jadiel Lima, na manhã do dia seguinte do seu aniversário

domingo, 4 de agosto de 2013

Trampolim

Eu não sou homem
Nem sou mulher
Eu não sou bi
Nem travesti
Eu não sou gay
Sou o que minto
e o que também não sei

Eu não sou gari
Nem urologista
Não sou juiz
Nem jornalista
Não posso
e nem quero
Confortar o meu ponto de vista

A grande liberdade de ser
É a grande liberdade de não ser

Não sou do mau
E nem sou bonzim
Eu sou da lama
E do jardim
Onívoro, o fungo
O fruto, a carne
E o capim

Eu sou qualquer pessoa
Mas eu não sou uma pessoa qualquer
Uma pessoa sem sentido, sem libido, sem futuro
Como ninguém é

Eu sou qualquer pessoa
Mas eu não sou uma pessoa qualquer
Não vivo em um só lugar e nem sou bipolar,
Sou transpolar, um trampolim de mim

Eu sou qualquer pessoa
Mas eu não sou uma pessoa qualquer
Eu sou como qualquer um que ainda não entendeu
Que não é o tamanho do deus
É a fé


_____________________________

CIFRA

Intro: D D7M

     D          
Eu não sou homem
Nem sou mulher
     Em
Eu não sou bi
Nem travesti
      G
Eu não sou gay
Sou o que minto
                    D
e o que também não sei

     D
Eu não sou gari
Nem urologista
         Em
Não sou juiz
Nem jornalista
        G
Não posso
e nem quero
                               D
Confortar o meu ponto de vista

     Em
A grande liberdade de ser
       G                                   D
É a grande liberdade de não ser

D  D7M

      D
Eu não sou do mau
E nem sou bonzim
      Em
Eu sou da lama
E do jardim
     G
Onívoro, o fungo
O fruto, a carne
     D
E o capim


     Em
A grande liberdade de ser
       G                                   D
É a grande liberdade de não ser
D  D7M
     Em
A grande liberdade de ser
       G                                   D
É a grande liberdade de não ser

D  D7M

                   D
Eu sou qualquer pessoa
                                      Em
Mas eu não sou uma pessoa qualquer
                                 G
Uma pessoa sem sentido, sem libido, sem futuro
            D
Como ninguém é

                  D
Eu sou qualquer pessoa
                                     Em
Mas eu não sou uma pessoa qualquer
                                 G
Não vivo em um só lugar e nem sou bipolar,
        Em                                       D
Sou transpolar, um trampolim de mim

D  D7M  D  D7M
                   D
Eu sou qualquer pessoa
                                      Em
Mas eu não sou uma pessoa qualquer
                                 G
Uma pessoa sem sentido, sem libido, sem futuro
            D
Como ninguém é

                   D
Eu sou qualquer pessoa
                                     Em
Mas eu não sou uma pessoa qualquer
                                    G
Eu sou como qualquer um que ainda não entendeu
              Em
Que não é o tamanho do deus
              G
Que não é o tamanho do deus
D
É a fé

D7M   D  D7M

     Em
A grande liberdade de ser
       G                                   D
É a grande liberdade de não ser
D  D7M
     Em
A grande liberdade de ser
       G                                   D
É a grande liberdade de não ser








O AVANÇO DA MARÉ

Avança maré
avança maré
avança maré
descansa

Avança maré
avança maré
recolhe pa descansar

Na corda bamba universal
meu ser na bruma não vacila
no próprio fio que vou tecendo
de areia, espuma, água e sal
meu ser oscila, meu bem
oscila...


Avança maré
avança maré
avança maré
descansa

Avança maré
avança maré

recolhe pa descansar

Levi subiu a serra
quando desceu em avisou
que a terra não rejeita 
um corpo estranho
ou ela o nutre
ou dele se alimenta

domingo, 28 de julho de 2013

EU NÃO ME SINTO NATURAL

Ah, eu não me sinto natural
os meus olhos parecem querer ver
a gesticulação da minha boca

Ah, eu não me sinto natural
quando ando na rua, tropeço
em cada mirada fatal

Há, há quem diga que o amor
quando foi
já não volta atrás
Como a infância
que a gente se esquece
e acredita perder

Marionete,
Monete se foi
com as outras
Mas, filha, não dá pra esconder
o descompasso da razão
o que o corpo não pode conter

O olhar condenador
de quem coordena
O olhar coordenador
de quem condena
o olhar condenado

A AUTO-CENSURA DA CRIATIVIDADE

A auto-censura na Comunicação Social acontece desde a faculdade (ou antes), quando nem nos encontramos dentro do mercado de trabalho, mas nos construímos reféns dele.

E não falo nem da grade universitária obrigatória, o conhecimento técnico preparatório para a atuação nos empregos.

É que na universidade, lugar que poderia ser um espaço de experimentação - e quando ela mesma não nos toma o tempo livre com trabalhos e IRA (índice de rendimento acadêmico) - adaptamos nosso pensamento, nossa criatividade e nossa arte para ostentar a cultura de plástico que tanto aprendemos a criticar sem combater.

Como nós, da classe média (sou pobre, mas digo 'nós' pelo espaço de convívio), não podemos nos equiparar à mentalidade "alienada, sem criticidade e facilmente dominada da massa", acreditamos possuir o dom da escolha absolutamente lúcida.

Vivemos cada qual com as nossas próprias preferências e livre-arbítrios e estes não devem ser abalados para o eterno gozo de nossos egos: gosto, criatividade e entretenimento pautados segundo a mentalidade de shopping, de tecno sem logia, de universo sem incomodidade.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Se cuida-me



"Eu vi um homem na rua
cantando com sua voz
embargada de pigarro
com sua língua rota e nua

-Desde o tempo em que nasci
Logo aprendi algo assim:
Cuidar do outro é cuidar de mim
Cuidar do outro é cuidar de mim
Cuidar de mim é cuidar do mundo
Cuidar de mim é cuidar do mundo"

Ray Lima.

domingo, 26 de maio de 2013

CREPOM

versinho à Marina Med e Luiza Veras

Estou deixando você de molho
Dentro do meu coração
Pra pintar uma aquarela
De sua cor-inspiração