Com a pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ficou mais clara a densidade e abrangência do machismo no modo de pensar dos brasileiros. A pesquisa revela que há uma predisposição de grande parte das pessoas a justificar mais que um crime: o total desrespeito à liberdade de ser e agir das mulheres. Mas esse estudo também mostra contradição no discurso dessas mesmas pessoas.
O dado mais comentado do documento foi o de que 65% dos 3.810
entrevistados pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do
Ipea concordaram com
a afirmação “mulheres que
usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O impressionante
é que 91% das pessoas entrevistadas também concordaram que “homem que bate na
esposa tem que ir para a cadeia”.
A mudança de posicionamento parece se dar por algum tipo de
constrangimento. Está mais clara, ao senso comum, a noção de punir a violência física contra a mulher. A lei Maria da Penha já foi
bastante disseminada, mesmo que o
medo e os maus-tratos continuem dentro da realidade de muitas mulheres. Mas é algo mais fácil de se
concordar. Está menos claro que as mulheres possam se vestir como queiram, que
as mulheres tenham autonomia sobre si mesmas, que as mulheres possam expressar
sua corporalidade sem problemas. É uma questão de valores.
E os valores vigentes no senso comum não permitem nada disso.
São princípios que alimentam apenas sonhos pequenos e que não visam a liberdade
ou sonhos grandes. São valores fundamentados para que
não se tenha liberdade,
afinal. São pensamentos e
projetos mascarados com as palavras progresso, ascensão e melhoria de vida, mas
que só estimulam o mundo a seguir no mesmo curso. Simplesmente mantém as coisas
como estão.
O mundo está cheio desses sonhos pequenos. Consumismo, individualismo, conformismo, falsos
paraísos. E por serem modos de pensar e agir pequenos e simplórios, os
problemas cotidianos serão resolvidos à mesma maneira, a de contornar a realidade,
sem estuda-la reflexivamente, sem enfrenta-la. Os sonhos pequenos estão, por exemplo,
nos muros altos dos condomínios, nas cercas elétricas, na super vigilância.
Quem sonha pequeno, há de condenar quem sonha alto. Por
inveja, ou por motivos de correção. Quem falou que se pode sonhar grande? Quem
não é livre não consegue aceitar que o outro seja. Aliás, o ser livre ou o ser
que se expressa livremente parecerá, à imensa maioria apegada aos seus valores
morais, um inconsequente, será taxado de vadia e por isso deverá ser punido,
ser mal-tratado, ser violentado, ser estuprado.
Os sonhos pequenos, se vê, estão também na moral machista. Esta
moral, engessada nas mais variadas e escrotas justificativas, quer preservar
suas repressões e prosperar a opressão da macheza sobre a feminilidade. Os
sonhos pequenos estão no medo do ser de se afirmar e de criar e brincar com a
sua liberdade, no medo de derrubar os muros altos que o mantém reprimido. Estão
no querer trazer pra detrás dos mesmos muros quem venha a ter coragem de
afirmar o seu modo livre de ser.