quinta-feira, 23 de julho de 2015

"O que é que tu fez com os cara?"

A primeira vez que fui no Dragão do Mar sozinho eu era menino ingênuo de 15 anos. Crianção. Fui ver a Feira da Música. Quando fui cuidar, que tava anoitecendo, peguei ônibus no lado errado da rua. Era Grande Circular. "Passa no Siqueira?", "Passa, né? Mas demora que só a porra".

Desci e já não sabia onde tava. Tentei voltar contornando a rua, mas pra minha surpresa nem tudo em Fortaleza era mais ou menos quadrado como em Maranguape. Perdido no morro, comecei a me aperrear. Mais embaixo, em uma pista escura, catadores de lixo observavam o garoto com semblante assustado correndo sem perspectivas. Semblante que foi refletir nos taxistas, a "salvação" que encontrei logo mais em um posto, depois de sair do "foguete". Os dois primeiros se negaram a me levar, apontando um outro que acabava de chegar.

Se ligando da jogada dos colegas, mostrou não estar contente com a clientela magra e de cabelo assanhado. Pedi pra ele me levar pra Praça da Estação, onde estaciona o Maranguape/Fortaleza. Pedi ainda que fizesse um preço mais barato, porque eu tava com pouca grana. Depois da insistência, ele mandou eu entrar. Não ligou o carro. Pensou, olhou pra mim, que ainda estava com cara de desassossego. Sorriu, quase nervosamente - ou então pra ver qual era a minha: "O que é que tu fez com os cara?"

No dia, na hora eu achei graça. Expliquei que estava perdido, pra onde ia e onde eu morava. No final das contas me senti acolhido e agradeci ao taxista, que usava bigode, boné e parecia com um carioca pelo jeito de falar. Mas depois me falaram que eu devia era ter processado ele. E bem depois eu percebi o quanto tinha sido pesado esse pequeno pré-julgamento de que eu tava fugindo de alguma confusão com tráfico.

Hoje já me toco e observo que nada é questão de sutileza. Você percebe ou não percebe. Pra quem percebe dói. Quem não percebe não sente e o ser insensível não precisa mudar nada, né? Eu prefiro sentir. O próximo passo é sentir sem deixar me abalar.

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