quarta-feira, 2 de abril de 2014

Sonhos pequenos — muros altos

Jadiel Lima

























Com a pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ficou mais clara a densidade  e abrangência do machismo no modo de pensar dos brasileiros. A pesquisa revela que há uma predisposição de grande parte das pessoas a  justificar mais que um crime: o total desrespeito à  liberdade de ser e agir das mulheres. Mas esse estudo também mostra contradição no discurso dessas mesmas pessoas.

O dado mais comentado do documento foi o de que 65% dos 3.810 entrevistados pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Ipea  concordaram  com  a  afirmação  “mulheres que  usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O impressionante é que 91% das pessoas entrevistadas também concordaram que “homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia”.

A mudança de posicionamento parece se dar por algum tipo de constrangimento. Está mais clara, ao senso comum, a noção de punir a violência física contra a mulher. A lei Maria da Penha já foi  bastante  disseminada, mesmo que o medo e os maus-tratos continuem dentro da realidade de muitas  mulheres. Mas é algo mais fácil de se concordar. Está menos claro que as mulheres possam se vestir como queiram, que as mulheres tenham autonomia sobre si mesmas, que as mulheres possam expressar sua corporalidade sem problemas. É uma questão de valores.

E os valores vigentes no senso comum não permitem nada disso. São princípios que alimentam apenas sonhos pequenos e que não visam a liberdade ou sonhos grandes. São valores fundamentados para  que  não se  tenha  liberdade,  afinal.  São pensamentos e projetos mascarados com as palavras progresso, ascensão e melhoria de vida, mas que só estimulam o mundo a seguir no mesmo curso. Simplesmente mantém as coisas como estão.

O mundo está cheio desses sonhos pequenos.  Consumismo, individualismo, conformismo, falsos paraísos. E por serem modos de pensar e agir pequenos e simplórios, os problemas cotidianos serão resolvidos à mesma maneira, a de contornar a realidade, sem estuda-la reflexivamente, sem enfrenta-la. Os sonhos pequenos estão, por exemplo, nos muros altos dos condomínios, nas cercas elétricas, na super vigilância.

Quem sonha pequeno, há de condenar quem sonha alto. Por inveja, ou por motivos de correção. Quem falou que se pode sonhar grande? Quem não é livre não consegue aceitar que o outro seja. Aliás, o ser livre ou o ser que se expressa livremente parecerá, à imensa maioria apegada aos seus valores morais, um inconsequente, será taxado de vadia e por isso deverá ser punido, ser mal-tratado, ser violentado, ser estuprado.


Os sonhos pequenos, se vê, estão também na moral machista. Esta moral, engessada nas mais variadas e escrotas justificativas, quer preservar suas repressões e prosperar a opressão da macheza sobre a feminilidade. Os sonhos pequenos estão no medo do ser de se afirmar e de criar e brincar com a sua liberdade, no medo de derrubar os muros altos que o mantém reprimido. Estão no querer trazer pra detrás dos mesmos muros quem venha a ter coragem de afirmar o seu modo livre de ser.

Um comentário:

  1. Posso comentar parágrafo por parágrafo?

    1º parágrafo: totalmente invalidado pelo erro grotesco do IPEA. :/

    2º parágrafo: Também achei que era uma contradição muito grande, dentro da mesma pesquisa, a maioria absoluta ter uma visão completamente a favor da mulher (e note que não foi apenas nessa questão; há outras que não foram divulgadas pela imprensa, como as que citei naquele meu comentário).

    3º parágrafo: Não é uma questão de valores; é uma questão de uma pesquisa mal feita. Ainda que os dados não estivessem errados, a pesquisa não podia chegar a tais conclusões, porque as questões eram vagas e mal explicadas. Não se faz pesquisa assim! E o conjunto de dados utilizados não serve para inferência nacional. Como eu afirmei antes: os gringos, quando no Brasil, ficam chocados com a pouca roupa que usamos, homens e mulheres. Ou shorts e microssaias não são mais comuns, por exemplo, que ver homens sem camisa? Dizer que no Brasil há problemas para a mulher “expressar sua corporalidade” é forçar a barra. É claro que existem aqueles que reclamam, cheios de pudores, os mesmos que dizem que se masturbar é pecado e que também impõem uma série de restrições aos homens. Isso aí sim, é questão de valores e de opinião.

    4º parágrafo: Ideologia, ideologia, ideologia, julgamento de valores alheios com base em ideologia, mais ideologia. Nada contra a sua opinião, mas sei lá, não gosto muito de pôr o meu modo de ver o mundo acima dos demais. Julgar os sonhos dos outros com base no que eu acho certo e grandioso, hum... parece coisa de intolerante, né?

    5º parágrafo: E quem sonha alto condena quem sonha pequeno. Ou não foi isso que você fez no parágrafo anterior? Os motivos eu não sei. Diria que por achar que os seus sonhos são mais dignos, por achar que expressam a verdade platônica, o monopólio da virtude. Ser livre? O que é ser livre? Posso ser livre pra sonhar pequeno ou tenho que ser livre pra sonhar na sintonia de uma ideologia? Ai, ai, Sartre...

    6º parágrafo: Cara, o que são esses “sonhos pequenos”? Casar e ter filhos seriam sonhos pequenos? Seria, então, expressão da macheza ou do machismo? Enfim, na falta de explicação melhor, gostei desse último parágrafo. Não que eu concorde com o que foi afirmado, claro que não. Mas, ao menos, é opinião pura. A minha opinião é: todos nós temos muros. Não existe essa tal liberdade pura; erigimos nossos muros e nossos medos. Alguns nós podemos derrubar, como o puritanismo, enquanto construímos outros, como os ideológicos. Por isso que eu digo e repito: não há uma verdade. O máximo que podemos conseguir são dados. E os dados que temos não sustentam as suas afirmações sobre machismo, fazendo delas o que são: um modo particular de ver as coisas. É válido? Claro, toda opinião é válida. Mas é a SUA verdade.

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